Impacto da pandemia Covid-19 nas mães acadêmicas

Fala pessoal,

Aos poucos, profissionais de diversas áreas estão se adaptando a uma nova realidade de trabalho remoto ou semi-presencial, ao menos, enquanto não tivermos uma vacina ou um tratamento terapêutico eficaz para enfrentar a Covid-19. Para aqueles que trabalham como pesquisadores, esse cenário não é diferente, entretanto, enquanto para alguns pesquisadores a dispensa de atividades docentes e administrativas presenciais signifique mais tempo para trabalho independente (por exemplo: produção de artigos científicos), para pais de crianças pequenas as quais as aulas foram canceladas, o período de quarentena e de trabalho remoto tem sido um desafio e tanto.

Aqui nesse texto, embora eu tenha plena ciência que pais acadêmicos não estão imunes aos impactos enfrentados pelas restrições impostas pelo confinamento, me concentrarei nas mães acadêmicas, pois, infelizmente, tradicionalmente elas que carregam a carga mais pesada relacionadas a tarefas domésticas e de cuidados com os filhos.

Mães acadêmicas de algumas das universidades brasileiras colaboradores no projeto Parent in Science, que surgiu com o intuito de levantar a discussão sobre a maternidade (e paternidade!) dentro do universo da ciência do Brasil. 

É notório que as desigualdades na carreira profissional entre homens e mulheres é histórica e está enraizada em toda a sociedade, e que a crise econômica causada pelo atual surto de Covid-19 têm implicações substanciais para amplificar a desigualdade de gênero, tanto durante a crise como na recuperação subsequente. Por exemplo, as escolas estão, dentro do cronograma de reabertura gradual das atividades, entre as últimas instituições a reabrir, e muitas mães não tem um local para deixar seus filhos durante o horário de trabalho. Além disso, mesmo com a reabertura dos colégios, protocolos sobre o número de crianças permitidas na escola por dia, proporção de aulas virtuais vs. aulas presenciais e adaptação a novas rotinas escolares provavelmente serão um fardo para as mães acadêmicas, exigindo que elas ajudem seus filhos a navegar nessa nova realidade.

Não obstante, como pesquisadoras, muitas delas dificilmente, retomarão a curto prazo o trabalho de campo e de laboratório, o que pode ampliar as lacunas de gênero existentes e reduzir as chances das mães acadêmicas de desenvolver novas pesquisas. Num cenário pós-pandêmico, com fortes tendências a ser ainda mais competitivo, com cortes previsíveis nos fundos para ciência e acesso reduzido a bolsas de financiamento, o aumento das responsabilidades domésticas e cuidados com os filhos provavelmente devem prejudicar a competitividade das mães acadêmicas, principalmente aquelas em início de carreira, muitas das quais atualmente estão em cargos temporários.

Diante de todo esse cenário, além da obvia corrosão de normas sociais que levam a divisão do trabalho doméstico e no cuidado com os filhos de forma desigual (Sim meus caros homens e pais leitores, essa parte é para você: é necessário assumir a responsabilidade primária pelo cuidado dos filho e cuidados domésticos), também é necessário algumas estratégias para neutralizar o agravamento da desigualdade de gênero no mundo acadêmico pós-pandemia. Pensando nisso, a Rede Kunhã Asé de Mulheres na Ciência, elaboraram algumas sugestões de estratégias de curto, médio e longo prazo.

Curto prazo (1 ano)

– Sensibilizar seus pares acadêmicos sobre as dificuldades que as mães encontraram durante a pandemia e suas possíveis consequências para suas carreiras

– Permitir trabalho remoto em tempo integral para mães de crianças pequenas

– Projetar e implementar medidas para denunciar o assédio às mães acadêmicas do projeto e para garantir um ambiente de trabalho saudável para todos

Medio prazo (2 anos)

– Promover a colaboração entre mães e colegas sem filhos

– Aspirar pela igualdade de gênero nas inscrições para professores

– Considerar o maternidade durante as avaliações de carreira e alocação de fundos

Longo Prazo (5 anos)

– Criar ambientes de trabalho que acolham as crianças e apoiem as mães

– Estabelecer redes de apoio e canais institucionais para atender às necessidades específicas mães acadêmicas

– Repensar os benefícios dos funcionários pesquisadores para incluir saúde da família por meio de seguro saúde

– Avaliar a eficácia das políticas implementadas para uma melhoria contínua ao longo do tempo

Finalmente, ainda devemos considerar as necessidades das mães acadêmicas caso a caso. As mães de crianças com necessidades especiais e/ou que pertencem a grupos minoritários, incluindo pessoas trans, pessoas de cor e/ou com deficiência, bem como pais solteiros e mães sem uma redes de apoio, que também devem ser abraçados por políticas e iniciativas que visam garantir um ambiente de trabalho inclusivo.

Para saber mais:

Hipólito J., Diele-Viegas, L. M., Cordeiro T. E. F., Sales L. P., Medeiros A., Deegan, K. R., Leite., L. (2020) Unwrapping the long-term impacts of COVID-19 pandemic on Brazilian academic mothers: the urgency of short, medium, and long-term measures, An. Acad. Bras. Ciênc., 92 (4) Rio de Janeiro.

Parent in Science

Staniscuaski, F., Reichert, F., Werneck, F. P., de Oliveira, L., Mello-Carpes, P. B., Soletti, R. C., Schwartz, I. V. D. (2020). Impact of COVID-19 on academic mothers. Science368 (6492), 724-724.

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